11 de maio de 2008

Entrevista com Miyazaki sobre Nausicaä (Parte 1)

Em Janeiro de 1995, o fanzine japonês Comic Box publicou uma série de artigos sobre Hayao Miyazaki. Entre eles uma longa entrevista realizada por Ryo Saitani sobre o fim de Nausicaä. A partir de hoje, o Go-panda, vai postar esses artigos traduzidos, a começar pela ótima entrevista. Leia com cuidado, pois apesar de não ter nenhum grande spoiler nessa primeira parte, ambos fazem referências a trechos da série que ainda não foram lançados no Brasil.

Ryo Saitani: Gostaria que você contasse como aconteceram as mudanças na história e nos personagens do começo para o final e comparasse as versão animada e a versão em quadrinhos. Além disso, acredito que a Nausicaä seja uma personagem muito especial, então gostaria que você falasse sobre ela separadamente dos outros personagens e falasse também sobre a teoria dela.

Miyazaki: "Teoria" é uma palavra estranha. Eu acho que eu não a usaria.

Ryo: Entendo. Gostaria de fazer algumas perguntas sobre Nausicaä no contexto da obra como um todo. Gostaria de saber como a sua visão do mundo e da civilização estão refletidas em Nausicaä

Miyazaki: Isso não é algo que eu possa dizer assim [risos]. Isso deveria ser discutido por outras pessoas.

Ryo: Quais são as suas considerações sobre os personagens? E como o papel de cada um mudou desde o começo? Eu ouvi dizer que os personagens geralmente agem por si mesmo, mas isso realmente aconteceu ou você estava controlando as ações deles? Por favor, fale um pouco sobre eles.

Miyazaki: Se eu tivesse escrito a história de uma vez, eu ainda estaria empolgado com ela e poderia falar sobre ela. Mas ela foi escrita durante muito tempo e quando eu a terminei, ela havia se transformado em algo "maçante", então eu não quero falar sobre isso.

Quando a série terminou, eu não tive nenhum sentimento de realização, nenhum sentimento do tipo "Acabei! Eu consegui!". Em 1993, eu pensava que a séria seria acabada em um ano, mas apesar de eu ter trabalhado fervorosamente por dois meses depois disso, eu ainda não estava satisfeito. Eu sabia que fisicamente eu estava pronto para terminá-la. Saiba que eu não tinha ninguém me pressionado para acabá-la naquele momento, foi algo que decidi por mim mesmo. O editor me disse que eu poderia continuá-la por quanto tempo eu quisesse.

Assim, decidi acabá-la por espontânea vontade. Mas ainda tive dúvidas se isso era o certo a fazer, então eu evitei ficar olhando a história até aquele ponto. Eu havia recebido cópias de todos os capítulos do Yoshi Kobayashi (o encarregado do departamento de edição da Animage), mas não senti vontade de lê-los. Eu estava assustado. [risos] Finalmente, para terminar o ultimo volume, eu olhei os capítulos 2 dias antes de entregar tudo. Não sem tremer muito. De certa forma eu estava aliviado. Eles estavam [muito]* bons - apesar de ser estranho dizer isso sobre o próprio trabalho. Não que eu tivesse esquecido aquilo que havia escrito, e sim que eu me esforcei para esquecer. Foi assustador. O que eu escrevi? [risos] Foi doloroso. É verdade! Eu ainda fiquei imaginando se aquela era a conclusão adequada para Nausicaä, mas não conseguia me convencer. Até agora não tenho certeza.

Ryo: Acho que pode ter sido melhor terminar a história em um ano. Nos últimos sete dias da história, no cemitério de Shuwa, o clima da história havia mudado e ela foi concluída toda de uma só vez. De um ponto decisivo, até o clímax, foi excitante, mas a história até aquele ponto tinha provocado uma atmosfera de alta civilização, e logo ela se transformou em espiritualismo ou misticismo.

Miyazaki: Sim, de fato, Isso ocorreu devido ao fato de Nausicaä e o Ohmu estavam juntos sem mais ninguém.

Ryo: E isso foi bom, não foi? Apesar de fazer parecer que a história foi concluída de uma só vez.

Miyazaki: Continuar Nausicaä por aquele ultimo amo foi realmente difícil apesar de não saber exatamente o porquê. Acho que o problema era que eu tinha que escrever o que eu não sabia!! Escrever o que se sabe é uma coisa, mas eu tinha que escrever sobre o que eu não sabia. Quando dei vazão as minhas confusas idéias, vários pontos fracos apareceram e eu tive que lidar com eles.

Em outras palavras, enquanto esses pensamentos sobre como o mundo de Nausicaä era estavam flutuando pela minha cabeça, eles ficavam colidindo com outras idéias, uma vez que eu estava planejando esse mundo desde 1980. E isso levou a vários problemas. Algumas coisas simplesmente não faziam sentido. O mundo não poderia ser tão inconsistente. Eu fui forçado a repensar o significado do Mar Podre, por exemplo, ou o que exatamente o Ohmu representa.

Quando eu estava escrevendo, eu não escrevi baseado presumindo que "isso" era lógico, então "aquilo" também tem que ser. Ao invés disso, eu pensava, se "isso" é o que vai acontecer, então "aquilo" é o que vai vir depois. Por exemplo, como eu já estava pensando que a Nausicaä se machucaria de alguma forma, eu presumi que ela iria acreditar que a mãe dela não a amava. Os leitores conseguiriam se compadecer com isso e isso iria dar-lhes uma alça na personagem. Para finalizar isso tudo, tudo deveria se unido, certo? [risos] Foi realmente cansativo. Eu tive que ir tão longe que cheguei a pensar no sentido da vida. Eu não sei, então foi muito difícil.

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